O menino do açougue
Sexta-feira, fim da aula. Conversas do tipo “que bom que
amanhã não tenho aula”, “não preciso acordar cedo amanhã”. O menino moreno,
conformado, diz:
_Amanhã às cinco e meia da manhã já vou estar trabalhando.
Órfão de pai desde os
seus onze anos. Assassinado, muito provavelmente por questões ligadas à posse
de terras. Amazonense de Ipixuna, deixou mãe e irmãos; sozinho, em Cruzeiro do
Sul, no Acre. Dezessete anos.
Sábado de manhã, umas sete e meia, fui à área do cais do
porto, onde fica o comércio popular. Tinha que comprar carne. Olhando os vários
açougues que existem, senti um quase abraço por minhas costas do menino moreno,
com o mesmo sorriso bonito que estampa seu rosto quando chega à sala de aula e
me vê, também sorrindo para ele. O açougue em que trabalha fica por ali, e,
claro, dei preferência ao dele. Andamos um pouco, chegamos ao local.
Atendeu-me, orientou-me sobre açougueiros que vendem bife de carne de segunda como
se fosse de primeira; fez a gentileza de guardar a minha compra, para que eu
pudesse sair e comprar mais outros produtos. Parece outra pessoa, manuseando a
faca, não lembra o menino da sala de aula. Parece mais velho, não por sua
aparência, mas pela responsabilidade com que exerce o ofício. Naquele sábado,
havia acordado às quatro e pouca da manhã. Não só naquele sábado, mas em todos
os dias, exceto aos domingos, acredito.
Na semana seguinte, em sala de aula, chega um pouco depois
da sete da noite, sempre com o sorriso bonito. A vida não parece ser difícil.
Passei um tema de redação para a turma. A maioria dela, sei que não trabalha,
são estudantes de manhã. Pouquíssimos entregaram seus textos, menos de oito. O
menino moreno entregou. Mesmo tendo acordado antes das cinco da manhã, mesmo após
o trabalho, do qual só sai depois da quatro da tarde. Não tem tempo para
estudar, disse que leva o caderno para o açougue para estudar, mas o cansaço
talvez não o deixe abri-lo. Mas o sorriso está ali, sempre que o solicito,
nunca demonstra desânimo.
O que você faz aqui, sozinho, sem família, longe da sua
casa, da sua terra? Quero ser engenheiro. Mas se não conseguir para engenharia,
pego o curso que der para passar. Minha terra tem nada, não tem trabalho. Não
tem faculdade. Não tem curso. Ensino Médio e acabou. Não peço ajuda para minha
mãe: lembro dela dizendo que não ia sustentar vagabundo. Minha família tem
terra, tem um frigorífico, mas não quero
ajuda. Orgulho de homem. Quero voltar e mostrar pro povo de lá que não dei se
ser vagabundo. Depois que meu pai morreu, todo mundo achou que eu ia ser
vagabundo. Quero mostrar que venci. Quero estudar.
Assim, o menino moreno me conta a sua história, depois de eu
lhe falar do meu interesse de escrever sobre ela. Fez questão de fazer um
resumo da sua saga para a vitória, para que eu pudesse colocar no meu texto. Firme
ao relatar sua vida, emocionou colegas que o ouviram, mas não a ele próprio.
Não se lamenta. Apenas luta diariamente, com seu trabalho e com o que sobra do
seu dia para estudar. Sempre com o sorriso bonito.
Isso foi ontem, dia
30 de abril. Nada mais oportuno, às vésperas do dia do trabalhador. Parabéns
pelo seu dia, menino moreno. Que esse sorriso nunca saia de seu rosto, quando
retornar a Ipixuna.
p.s. O menino Henrique começará a cursar engenharia em agosto de 2014, na Uninorte, em Rio Branco, com a ajuda do FIES. Parabéns, menino, muita luz em sua vida.
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